Bob Dylan passeia sozinho pelas ruas de Copacabana
segunda-feira, 16 de abril de 2012Procurar por Bob Dylan na tarde do Rio equivale a procurar pelo Eldorado no meio da Amazônia peruana. Como achar essa espécie de Greta Garbo do rock entre ciclistas e corredores marombados, mulatas sargentellianas, turistas franceses e alemães com rostos tão vermelhos que parecem o braseiro da churrascaria Porcão? Dylan nunca quis ser encontrado, por que iria facilitar agora? Ainda assim, por contingência profissional, não restava outra coisa a fazer a não ser buscar por ele quixotescamente pela estupenda tarde de domingo. A estratégia era a mais óbvia: um giro pelos hotéis mais estrelados do Rio.
No Fasano, às 13h, não restava outra coisa a não ser entrar e fingir naturalidade no restaurante, e pedir pelo que o dinheiro alcançava ali: um carpaccio de vieiras e uma taça de cabernet sauvignon chileno. Uma dica: rejeitar o couvert nunca é um bom salvo-conduto para camuflar o boné, o jeans puído e o tênis novinho. Todos vão estranhar. Mas isso tudo só serviu para enrolar pouco mais de uma hora e meia, e não havia sinais da comitiva dylanesca por ali, apenas um cheiro caro de requinte e exclusividade.
Do Fasano de Ipanema para o Copacabana Palace foi um pulo. Mas a piscina e o buffet lotados de sósias de Jorginho Guinle não pareciam um bom refúgio para o bardo esquivo de Minnesota. Mais uns minutos enrolando ao pé da estátua de Ibrahim Sued, com sua famosa frase: “Ademã, que eu vou eu frente!”, e a inutilidade da empreitada começou a ficar mais penosa.
Ok, Ibrahim, você venceu! O estômago ronca, hora de dar um chapéu nas obrigações e ir até a cantina italiana que é um clássico desde 1976, tentando esquecer a frustração de mais uma pequena caçada inútil aos mitos do rock – bailes famosos de Mick Jagger e Bono estão na conta dessa peregrinação.
Pouco antes das 16h, saída pela esquerda, após uma refeição que custava metade do couvert do Fasano, tomando o rumo da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, para o táxi final antes do show. Ao menos no show ele dará as caras, e a torcida é para que essa noite promova novamente um encontro com a sua música mutante que inaugurou uma nova perspectiva para a arte contemporânea. “Aquele cara de touca e casaco ali parece o Dylan”, diz uma amiga do repórter, desencanadamente. Só o que faltava, um sósia a essa hora, pensou o repórter. Mas aí o sujeito se virou para a avenida e o sangue gelou nas veias.
“A máquina! A máquina! A máquina! É ele! É ele MESMO!” Os segundos pareciam horas, a avenida parecia mais larga, e Dylan olhava para um lado e para o outro sem se decidir, parado na frente da banca de jornais da rua Inhangá. “No direction home”, como sempre. Se fosse para o outro lado, iria pegar mal correr atrás dele. Mas aí ele veio para o lado da reportagem, tranquilamente, como se fosse parte da paisagem, sem causar nenhuma curiosidade nos velhinhos e nos cães de estimação de Copacabana. Caminhando resoluto, com as mãos nos bolsos. Fez uma careta quando viu a máquina fotográfica, mas não parou, continuou andando na direção da lente, e passou por nós aceleradamente.
“Hey, Dylan!” Ele já ia sumindo na rua quando se voltou e respondeu com um grunhido: “You are a f… paparazzi!” Não, não, não, jurava o repórter, querendo acreditar nas próprias palavras. “Para quê a foto?”, ele perguntou. “Para o Facebook, para a gente mesmo”, mentiu o repórter. “Por quê?”, ele ainda perguntou. “Porque você é um dos importantes artistas do século 20.”
E ele sorriu. Só aí ele relaxou. Pediu para a garota se aproximar, para que o repórter tirasse uma foto dele com ela. As mãos tremiam, o foco desapareceu, a rua desapareceu. Sorriu quando ela perguntou se estava se divertindo no Rio. “Eu adoro!” A reprtagem não sabia mais como mantê-lo ali. “Você está com fome?”, perguntou. Dylan acariciou a barriga com as mãos, fazendo o clássico gesto de bucho cheio. “Não mesmo.” E o repórter apontou: “É que ali na rua de trás tem uma cantina italiana daquelas clássicas, sabe aquelas que parecem frequentadas pela máfia? Muito boa mesmo.” Ele se interessou: “Para lá?” Sim, eu disse. “Ok”, ele disse, sorrindo de novo, e mudou a direção para a rua de trás. A reportagem resolveu deixá-lo em paz (mas aposta que ele viu os dois garotos pulando e se abraçando no meio da rua como doidos).
Fonte: Portal Revista Veja