Copacabana: irregular, rede sem fio da favela ainda vive na base do “ratatá”
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012Em maio de 2009, na ocasião da inauguração oficial do programa Rio Estado Digital na comunidade Santa Marta, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a primeira favela a receber sinal de internet banda larga gratuita no País, o governador Sérgio Cabral deu a seguinte declaração na época, recuperada pela reportagem: “O estado do Rio é o mais avançado do ponto de vista tecnológico do Brasil e, logo, vai se transformar no primeiro estado 100% digital, com cobertura aberta para toda a sua população”.
Quase dois anos depois, não há dúvidas do aspecto revolucionário que envolve o projeto, que além de pioneiro, conseguiu ainda a proeza de unir o morro ao asfalto – já que o serviço oferecido nas comunidades é o mesmo presente na orla digital da praia de Copacabana, por exemplo, onde a elite dos apartamentos milionários, e dos milhares de turistas e transeuntes diários, inauguraram oficialmente o programa, em julho de 2008.
A promessa de um estado 100% digital, porém, ainda engatinha quando o assunto é inclusão digital nas favelas ainda carentes de uma banda larga capaz de oferecer uma velocidade suficiente para o download de músicas e filmes, ou mesmo um streaming de qualidade. Neste ponto, o Rio Estado Digital não avançou com a mesma velocidade das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Em dois anos, são apenas sete comunidades atendidas, numa esfera de quase mil. São elas: Santa Marta (Encontra Botafogo), Pavão-Pavãozinho (Copacabana), Cantagalo (Encontra Ipanema), favelas do Batan e Cidades de Deus (zona oeste), Rocinha, na Zona Sul, morro da Providência, no centro do RJ.
Fica de fora do levantamento o morro do Adeus, dentro do complexo do Alemão, na Zona Norte da cidade, onde desde a última semana já está em funcionamento, em período de experimentação, o novo serviço que promete atender mais 80 mil pessoas ¿ o intuito até o meio do ano é atingir mais de 300 mil internautas. Vale lembrar também que, além da praia de Copacabana, já têm sinal de internet gratuito a avenida Presidente Vargas, no centro, e a rua Tereza, em Petrópolis, na região serrana do Estado.
Sendo assim, de acordo com estimativas das associações de moradores e dados do último censo realizado pelo IBGE, vive nestas favelas citadas anteriormente um total de 176 mil moradores. Número que poderia ser melhor aproveitado tendo em vista que, segundo a secretaria de Ciência e Tecnologia, patrocinadora do programa ao contratar o know-how de importantes universidades do Rio (PUC, UFRJ, Uerj, UFF e IME), a um custo total de R$ 18 milhões até aqui, são 29 mil acessos diários por dia. Na Rocinha, por exemplo, um mundo de casas grudadas de quase 100 mil pessoas, são parcos cinco mil acessos/dia.
Tudo isso a uma velocidade de 250 kbps, e com seguidas interrupções de sinal, como relataram alguns moradores ouvidos pela reportagem do Terra. “Eu moro ao lado da antena e quando eu vim morar aqui funcionava bem. Aí teve uma época de chuva que piorou por umas duas semanas, e depois voltou e ficou bom. Agora está entrando ruim de novo”, diz a dona de casa Fabíola Lopes, do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana.
“A internet daqui da comunidade é boa, quando tem, né? Às vezes demora até uma, duas semanas para consertar. Aí você imagina uma grande empresa ou alguém ficar duas semanas sem internet? É muito complicado”, relata o professor de dança e guia turístico Thiago Firmino, nascido e criado no Santa Marta.
“É meio constrangedor você tentar contar com esse serviço e nem sempre conseguir. Algumas pessoas acabam usando lan house, mesmo tendo computador em casa. Por falta de opção mesmo”, completa Márcio de Almeida, técnico em informática e morador há 20 anos do morro do Cantagalo.
É o que acontece com o chefe de cozinha Alysson Teixeira, no Cantagalo. “Tenho que vir até a lan house, não tem jeito. Gasto cerca de quatro reais por dia para ficar conectado mais ou menos umas duas horas. Não dá para ficar sem também”, conta. “A nossa necessidade é tão grande quanto a do pessoal da rua, sendo que eles têm condições de pagar uma internet mais cara e nós ficamos dependentes desta aqui. Quer dizer, nos adoçaram a boca, e no entanto está deixando um certo déficit”, concorda o serralheiro Marcelo Alves, do Santa Marta.
As explicações passam por dois pontos importantes, que envolvem não apenas as autoridades públicas, mas o próprio comportamento dos moradores que querem estar 100% inseridos digitalmente. O primeiro, como esclarece o secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso, é de caráter educacional: o Rio Estado Digital não é uma plataforma de entretenimento para que o aparelho mp3 do jovem possa ser abastecido diariamente com o download de músicas ¿ até porque não é o intuito do projeto competir com as lan houses, por exemplo.
“É um projeto para fluir conhecimento e educação, acima de qualquer coisa. Nossa intenção é integrar o cidadão. Agora, instalar rede sem fio em shopping é fácil, quero ver colocar na Rocinha. No shopping não tem raio, não tem vento. Nós queremos aprimorar o serviço e dentro de um ou dois anos teremos o maior know-how deste tipo de educação, nenhum lugar no mundo tem isso”, afirma Cardoso, para quem a expertise adquirida no projeto, junto com as universidades, vai propiciar aos envolvidos “saber onde pode ou não dar certo”, dentro de um planejamento de manutenção do serviço prestado.
A segunda e não menos importante questão: não são apenas raios e chuvas que danificam a qualidade do sinal. Falta maior poder de conscientização. E é neste ponto que entra a responsabilidade dos próprios moradores. “Já ouvi falar que não é problema específico de rede apenas, é linha de pipa que corta o fio do rádio e tal, mas há uma certa demora em responder o problema”, explica Marcelo Alves.
“Essa rede wireless pega muito superficialmente, é como se o sinal estivesse por cima do Santa Marta. E tem gente que em porão, em casas com parede muito grossa de cimento, não consegue pegar o sinal, acha que tem que abrir o laptop e entrar na internet, não é assim. Eles (do governo) explicaram: quem tem dificuldade para acessar dentro de casa, coloca uma antena externa, você bota um cabo alongador, e o cabo chega até sua sala e você tem acesso a internet”, pondera Thiago Firmino. “E já vi casos de vandalismo também, de gente confundir a antena com câmera de monitoramento e destruí-la”, completa.
“Vaquinha” virou a solução
Diante dos desafios que a inclusão digital ainda enfrenta nas comunidades carentes do Rio de Janeiro, uma solução bem à brasileira tem servido como paliativo. A famosa “vaquinha”, ou o “ratatá”, na gíria carioca para o rateio de custos, também tem servido de base para o aumento na quantidade de internautas nos morros da capital fluminense.
“Antes esse cara ficava só numa lan house. Agora, pela primeira vez, pudemos constatar que passou para outras fontes. Já tem gente usando placa 3G também, mas o que pudemos observar e o que nos chamou a atenção é que muita gente também está ‘rateando o acesso’. Ele consegue ter um plano em casa, e ‘racha’ com os vizinhos. O cara paga R$ 5 e tem acesso livre”, explica Renato Meirelles, diretor do Data Popular, que na última semana divulgou um estudo específico da geração C ¿ que ouviu dois mil jovens da nova classe média fluminense, na qual o cotidiano das favelas de toda a região metropolitana do Rio está inserido.
“A gente escuta falar mesmo. Como aqui, por exemplo, quem prefere pagar, a Velox (OI)é a única empresa de fora que atende, e só quem tem telefone consegue. E nem todo mundo da comunidade tem telefone fixo, então o vizinho faz esse sinal e vai passando para o outro. É o jeito”, concorda Marileide Silva, dona de uma lan house no Cantagalo. “Nesse local eu tenho pouco sinal, tenho apenas 2 MBps, e a gente paga R$ 60. Não é o suficiente para mim, mas eu não tenho condições de aumentar”, lamenta Marileide.
Em conversas com moradores das comunidades visitadas pela reportagem, que não quiseram se identificar, ficou claro também que existem os que aproveitam a deficiência de acesso para ganhar um a mais. Assinam planos com operadoras e cobram cerca de R$ 30 pela senha que libera o sinal. Para evitar a disseminação entre os que não entram na jogada, o código é alterado constantemente e enviado por e-mail para os assinantes do “serviço”.
“Cada um dá o seu jeito, né. Nada melhor do que você aproximar a favela de qualquer lugar do mundo, a gente nunca está distante, fica perto do computador para estar próximo ao mundo. Eu tenho certeza absoluto de que vou muito, mas muito longe”, afirma Thiago Firmino. Seja com rede sem fio gratuita, “gatonet”, “ratatá” ou gastando dinheiro na lan house.
Fonte: Portal Terra
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